O Duplo - Fiódor Dostoiévski



Uma adaptação cinematográfica pode trazer muitas dúvidas e receios, mas se olharmos pelo outro lado da janela é possível ver tantas novas paisagens que só poderiam estar ali graças a sétima arte, graças a um novo olhar as vezes tão interessante quanto o da palavra escrita. É certo que muitas vezes, ler o livro e depois ver o filme torna-se perturbador já que a obra literária tem aqueles detalhes e descrições tão bem feitas que dá a oportunidade de aguçar a imaginação de cada leitor. De quebra o diretor não consegue transpor para as imagens todo esse sentimento do jeitinho que imaginamos. Mas existe beleza nesse paradoxo. A adaptação é justamente uma adaptação!! Não há como ser “fiel” ao livro já que são diferentes artes e abordagens. Cada uma traduz a história de formas diferentes de signos entre si.
            É o que acontece com O Duplo, o livro de Fiódor Dostoievski, novela de 1846 e sua adaptação cinematográfica homônima, dirigida por Richard Ayoade de 2013. O romance de Dostoievski traz a história de um homem normal, Sr. Golyádkin, um funcionário oprimido pela imagem que faz de si mesmo, na típica atmosfera Russa dos anos 1840. Sr. Golyádkin é então obrigado a conviver com seu duplo, que o persegue e ameaça a leva-lo a loucura.
            O filme, por sua vez, tem sua ambientação possivelmente na Londres dos anos 50. Um ambiente tradicional e futurístico ao mesmo tempo. Seria a visão da sociedade, do futuro na década de 50. Com cenas internas escuras, externas sempre noturnas, chuvosas que passam a angustia, perturbação, a solidão que o livro também consegue provocar. O personagem principal é Simon James, interpretado por Jesse Eisenberg. Funcionário de uma repartição, um jovem invisível para a sociedade, tímido e retraído. Eis que chega na fábrica, James Simon, idêntico na aparência e o oposto em personalidade. Conquista a todos, faz tudo que Simon gostaria de fazer, inclusive conquistar o coração de Hanna (Mia Wasikovska), a amada de Simon. Esse é um ponto que considero importante na adaptação da novela de Dostoievski. No livro, Clara é a figura feminina que aparece na história, mas não há qualquer envolvimento romântico com Sr. Golyádkin. Já na obra cinematográfica, talvez por questões comerciais, Hanna aparece em grande parte da história, abrindo espaço para se chegar ao mesmo objetivo: mostrar a vulnerabilidade do personagem que tem sua vida totalmente usurpada por seu duplo.
            Outro aspecto que pode tornar uma experiência frustrante principalmente em uma adaptação de um clássico como é o caso de O Duplo, é o toque de um humor peculiar existente na obra de Ayoade. Apesar de ser classificado como um drama e trazer toda a carga perturbadora e angustiante que Dostoiévski quis transmitir ao leitor pela experiência do duplo, o filme consegue esses efeitos também através de um humor quase negro. A vida de Simon é tão perturbadora que nos faz rir algumas vezes durante os 93 min.
 Um ponto muito positivo do filme é a trilha sonora, os sons de maquinas, portas, catracas, elevadores assim como dos violinos que provocam um clima tenso e colaboram para que o expectador sinta o mesmo que Simon James está sentindo é um dos recursos muito favoráveis que o cinema pode dispor.
            O desfecho das duas obras também é um pouco diferente. Outro ponto que pode tornar a apreciação não tão agradável. O que eu particularmente não vi problema. No livro, a dúvida persistente de que há um outro homem, incontestavelmente igual a Sr Golyádkin é constante. Ao final da história, ele é levado à um hospital psiquiátrico, devido a sua trajetória com os demais personagens sem que ninguém soubesse bem o que estava acontecendo. Teria ele sido usurpado tão ferozmente por seu duplo a ponto de perder o controle de sua própria vida? Ou tudo não passou de um transtorno psicológico (tema muito abordado por Dostoiévski em suas obras).
              Na adaptação cinematográfica, Simon James, não aguentando ver seu emprego, sua amada, sua vida ser tomada por James Simon, e percebendo ser ele seu duplo, e de certa forma a mesma pessoa, resolve se livrar e matar James, se jogando do prédio onde mora. Ainda assim, é possível a dúvida do livro quanto ao transtorno psicológico, mesmo porque em alguns momentos as pessoas o diferenciam completamente de James, em outros confundem os dois e não sabem quem é quem. Seriam eles a mesma pessoa?
         
           Penso que Ayoade fez um ótimo trabalho na adaptação do clássico de Dostoiévki, trazendo toda a essência de O Duplo para as telonas, transpondo através de signos diferentes a história russa perturbadora e angustiante, agregando detalhes que cabiam melhor a obra fílmica e valorizando as nuances literárias que ajudaram a dar vida à Simon James, o Sr.Golyádkin do cinema.

Confiram o vídeo dessa resenha:



         
Bom pessoal, espero que vocês tenham gostado de falar um pouquinho sobre o Duplo e sobre a obra fílmica que eu particularmente amo. Beijos e até mais.

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